sexta-feira, 31 de julho de 2009

A morte de José Arcadio

Um trecho de Cem anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. Me atrevo a dizer que talvez tenha sido o melhor livro já escrito no planeta.


Logo que José Arcadio fechou a porta do quarto, o estampido de um tiro retumbou na casa. Um fio de sangue passou por debaixo da porta, atravessou a sala, saiu para a rua, seguiu reto pelas calçadas irregulares, desceu degraus e subiu pequenos muros, passou de largo pela Rua dos Turcos, dobrou uma esquina à direita e outra à esquerda, virou em ângulo reto diante da casa dos Buendía, passou por debaixo da porta fechada, atravessou a sala de visitas colado às paredes para não manchar os tapetes, continuou pela outra sala, evitou em curva aberta a mesa da copa, avançou pela varanda das begônias e passou sem ser visto por debaixo da cadeira de Amaranta, que dava uma aula de Aritmética a Aureliano José, e se meteu pela despensa e apareceu na cozinha onde Úrsula se dispunha a partir trinta e seis ovos para o pão.
— Ave Maria Puríssima! — gritou Úrsula.
Seguiu o fio de sangue em sentido contrário, e em busca da sua origem atravessou a despensa, passou pela varanda das begônias onde Aureliano José cantava que três e três são seis e seis mais três são nove, e atravessou a copa e as salas e seguiu em linha reta pela rua, e em seguida dobrou à direita e depois à esquerda até a Rua dos Turcos, sem se lembrar que ainda trazia vestidos o avental de cozinha e as chinelas caseiras, e saiu para a praça e se meteu pela porta de uma casa onde não havia estado nunca, e empurrou a porta do quarto e quase se sufocou com o cheiro de pólvora queimada, e encontrou José Arcadio caído de bruços no chão, sobre as polainas que acabava de tirar, e viu a fonte original do fio de sangue que já havia deixado de fluir do seu ouvido direito. Não encontraram nenhuma ferida no seu corpo nem puderam localizar a arma.

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